Avaliação do eletrocardiograma na Síndrome Coronariana Aguda com Supradesnivelamento de ST - CUREM (2024)

Tempo de leitura: 4 minutos.

O primeiro passo na caracterização da Síndrome Coronariana Aguda (SCA) é identificar adequadamente a clínica do paciente com dor torácica.

Para mais informações sobre como caracterizar a SCA, acesse nosso texto: Aprenda a caracterizar a síndrome coronariana aguda.

Feito isso, devemos definir se estamos diante de uma SCA com ou sem supradesnivelamento do segmento ST (SST): lançamos mão do eletrocardiograma (ECG) de 12 derivações em até 10 minutos da admissão.

Quando o paciente se apresenta com dor torácica tipicamente anginosa e um ECG normal, não se deve, de forma alguma, descartar SCA. Deve-se seriar o exame, aumentando a sensibilidade diagnóstica em mais de 80%.

Para mais informações sobre como identificar eletrocardiograficamente a dor torácica anginosa, leia nosso texto: Identificando a SCA sem supradesnivelamento do segmento ST.

Ao receber o ECG de um paciente com dor torácica, é estritamente essencial que o médico assistente saiba identificar um supradesnivelamento do segmento ST. Para tal, observe o ponto J: que representa o ponto de união do complexo QRS com o segmento ST. É por meio do deslocamento deste ponto que identificamos se houve ou não o supradesnivelamento.O ponto J pode ser visualizado na figura abaixo:

Avaliação do eletrocardiograma na Síndrome Coronariana Aguda com Supradesnivelamento de ST - CUREM (1)

O que significa e por quê ocorre esse desnivelamento do segmento ST?

O segmento ST representa a repolarização dos ventrículos e, em situações normais, se apresenta como uma onda relativamente isoelétrica. Na condição de isquemia aguda ocorre alteração elétrica na área lesada, criando um gradiente de voltagem entre as zonas normal e isquêmica e, consequentemente, um fluxo eletrofisiológico (chamado de “corrente de lesão”) representando no traçado eletrocardiográfico como desvio do segmento ST da linha de base isoelétrica. A polaridade e a magnitude desse desvio dependem da localização e da gravidade do insulto isquêmico.

Em caso de isquemia aguda grave (geralmente de toda a parede cardíaca – transmural) o vetor ST é deslocado em direção as camadas mais externas (epicárdica e subepicárdica) produzindo elevação de ST sobre a região infartada, o famoso supradesnivelamento.

Esse desnivelamento tem relevância se houver elevação ≥ 0,1 mm em relação a linha de base em pelo menos duas derivações contíguas (determinando uma área cardíaca), o que configura SUPRA ST. No entanto, é importante ressaltar que em V2 e V3 essa elevação depende do sexo e da idade, e possui valores de referência diferentes: para homens com menos de 40 anos, considera-se elevação a partir de 2,5 mm; em homens com 40 anos ou mais, 2 mm e; em mulheres, a partir de 1,5 mm.

Avaliação do eletrocardiograma na Síndrome Coronariana Aguda com Supradesnivelamento de ST - CUREM (2)

Por tanto, o desnivelamento do segmento ST decorre da injúria causada pela obstrução de uma artéria do coração. Inicialmente, o desnivelamento ocorre com a concavidade para cima e onda T positiva, como evidenciado na figura pelas setas vermelhas na figura 3. Esse momento representa a pior fase da evolução, em razão da maior possibilidade de ocorrer fibrilação ventricular.

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Ainda como parte da avaliação do traçado eletrocardiográfico é possível reconhecer qual parede cardíaca foi afetada e qual a possível coronária atingida. Isso só é possível de acordo com o conhecimento anatômico sobre a irrigação das paredes cardíacas e com a disposição dos eletrodos representando as paredes.

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Atente-se para a seguinte situação: quando o ECG apontar supradesnivelamento de ST na parede inferior, obrigatoriamente deve ser investigado o acometimento do ventrículo direito, solicitando as derivações precordiais direitas V3R e V4R. Além disso, também é importante procurar pelo infradesnivelamento do segmento de ST em V1 e V3. Caso este esteja presente, é necessário avaliar as derivações dorsais V7, V8 e V9 a fim de avaliar o acometimento ínfero-dorsal do coração.

Por fim, é imprescindível atentar-se para a existência de bloqueios de ramo esquerdo e direito: O bloqueio de ramo esquerdo (BRE), é o bloqueio do impulso elétrico no ramo esquerdo do feixe de His. Quando presente, causa alteração de toda a repolarização ventricular, e dificulta a visualização de supra de ST, o que deixa o diagnóstico mais complexo. Nesses casos, se há uma clínica sugestiva de SCA associada à instabilidade hemodinâmica, elétrica (por meio de arritmias) ou insuficiência cardíaca grave, o paciente deve ser submetido imediatamente à coronariografia.

No caso dos pacientes que não apresentarem esses sinais, ou seja, dos pacientes estáveis, é preconizado o uso dos Critérios de Sgarbossa, validados para o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio na presença de BRE.

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Caso a pontuação seja maior ou igual a 3 pontos, a especificidade chega a 98% para Infarto Agudo do Miocárdio com supra de ST. Então, se positivo, o paciente é candidato a terapia de reperfusão. Caso seja negativo, ou seja, menor que 3 pontos, seu valor é limitado, tendo em vista sua baixa sensibilidade. Nesses casos, pode-se lançar mão da ultrassonografia à beira-leito à procura de déficits segmentares, seriar ECG, ou mesmo, em pacientes em que a clínica é forte, indicar a coronariografia.

É importante ressaltar que, habitualmente, o bloqueio de ramo direito (BRD) não prejudica a visualização do supra de ST. Foi observado, no entanto, que pacientes com Infarto Agudo do Miocárdio e BRD novo, ou presumivelmente novo, têm pior prognóstico. A justificativa da associação não é bem elucidada. Por isso, caso o paciente tenha clínica de SCA e BRD que, eventualmente, atrapalhe a interpretação eletrocardiográfica, ele deve ser submetido à coronariografia precoce.

Referências

1 – Nicolau JC, et al. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST – 2021

2 – Coelho BFL, Murad LS, Bragança RD. Manual de Urgências e Emergências. Rede de Ensino Terzi, 2020

3 – Piegas LS, et al. V Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST – 2015.

4 – Pastore CA, et. al. III Diretrizes Da Sociedade Brasileira De Cardiologia Sobre Análise e Emissão De Laudos Eletrocardiográficos. SBC, 2016.

Avaliação do eletrocardiograma na Síndrome Coronariana Aguda com Supradesnivelamento de ST - CUREM (2024)

FAQs

Qual é a melhor conduta para o IAM com supradesnivelamento do segmento ST? ›

A angioplastia coronariana com implante de stent como terapia de reperfusão na fase aguda do IAM com supra foi demonstrada em estudos randomizados e metanálises, e hoje é, sem dúvida, a melhor estratégia de tratamento aqui!

Qual o significado clínico de um ECG com Supradesnivelamento de St? ›

O “supra de ST” se refere a um tipo específico de alteração observada no eletrocardiograma (ECG) durante um ataque cardíaco. Durante um IAM com supra de ST, uma artéria coronária que fornece sangue rico em oxigênio ao músculo cardíaco fica completamente obstruída devido à formação de um coágulo sanguíneo.

O que é síndrome coronariana aguda com supra de ST? ›

A síndrome coronariana aguda ´é uma das faces da doença aterosclerótica, que ocorre pela da presença de placas ateromatosas na circulação arterial do coração. Quem dá plantão ou está se preparando para iniciar na jornada, precisa saber reconhecer e tratar uma Síndrome coronariana aguda com Supra de ST.

O que é desnivelamento de ST? ›

O que é infradesnivelamento do segmento ST? Infradesnivelamento do segmento ST é uma alteração no traçado do eletrocardiograma que pode revelar problemas cardiovasculares. Esse achado surge diante de uma depressão no trecho que faz a ligação do final do segmento QRS à onda T.

Qual a sequência de atendimento do IAM com supra desnivelamento de ST? ›

IAM COM SUPRA ST: o paciente deve ser direcionado para a Hospital de referência, APENAS com o resultado do ECG. O exame Laboratorial deverá ser solicitado pelo hospital de referência a fim de prognóstico ou para excluir diagnóstico diferenciais em quadro atípicos. atendimento para definir diagnóstico.

Como tratar IAM com supra ST? ›

O pilar do tratamento do IAM com supra-ST é a reperfusão imediata da artéria obstruída, o que pode ser feito por fibrinólise (trombolítico) ou angioplastia primária. Na diretriz, faz-se a definição de dois marcos temporais: FMC, first medical contact e “diagnóstico do IAM”.

Qual é o primeiro medicamento dado ao paciente com suspeita de infarto do miocárdio? ›

Iniciar nas primeiras 24 horas. O nitrato vai ser primeira escolha para controle de angina no paciente abordado no protocolo IAM. A indicação de primeira escolha é o isordil sublingual.

Porque tem supra de ST no infarto? ›

O “supra de ST” se refere a um tipo específico de alteração observada no eletrocardiograma (ECG) durante um ataque cardíaco. Durante um IAM com supra de ST, uma artéria coronária que fornece sangue rico em oxigênio ao músculo cardíaco fica completamente obstruída devido à formação de um coágulo sanguíneo.

Como identificar um infarto no eletrocardiograma? ›

Como identificar infarto com supra (IAMCSST) no ECG? O IAM com supradesnivelamento é o mais comum, apresentando uma elevação do segmento ST. Esse deslocamento deve aparecer em pelo menos duas derivações concordantes (com exceção de aVR) e ter pelo menos 1 mm de amplitude em qualquer derivação – exceto em V2 e V3.

O que caracteriza a síndrome coronariana aguda? ›

Uma síndrome coronariana aguda ocorre quando um bloqueio repentino em uma artéria coronariana reduz extremamente ou interrompe o fornecimento de sangue a uma área do músculo cardíaco (miocárdio). A falta de fornecimento de sangue a qualquer tecido é denominada isquemia.

Qual a conduta para pacientes com síndrome coronariana aguda? ›

No momento atual, recomenda-se em pacientes com síndrome coronariana aguda com eletrocardiograma sem supradesnivelamento do segmento ST-T e Escore TIMI maior que 3 uma conduta intervencionista entre 4 e 48h, em associação o uso de aspirina, inibidores do receptor plaquetário P2Y12 (clopidogrel, prasugrel ou ticagrelor) ...

Qual é o exame mais importante no diagnóstico do IAM e deve ser feito Seriadamente nas primeiras 24 horas? ›

Exames subsidiários

É o exame mais importante no diagnóstico do IAM. Deve ser feito seriadamente nas primeiras 24 horas e diariamente após o primeiro dia.

O que significa V1 V2 V3 V4 V5 V6 no eletrocardiograma? ›

Derivações Precordiais: são as derivações V1, V2, V3, V4, V5 e V6. São colocados 6 elétrodos exploradores em 6 pontos no tórax anterior (veja figura), que registram o potencial elétrico em relação a um ponto de referência teórico zero.

O que significa Supradesnivel do segmento ST? ›

O “supra de ST” se refere a um tipo específico de alteração observada no eletrocardiograma (ECG) durante um ataque cardíaco. Durante um IAM com supra de ST, uma artéria coronária que fornece sangue rico em oxigênio ao músculo cardíaco fica completamente obstruída devido à formação de um coágulo sanguíneo.

Quais os tratamentos e cuidados de enfermagem ao portador de IAM com supra desnivelamento de seguimento St? ›

MEDIDAS GERAIS/TERAPIA ADJUVANTE
  • Jejum. No mínimo de 4 horas em presença de dor para a realização de exames, para reduzir o risco de aspiração pelos vômitos. ...
  • Monitoração Cardíaca Contínua. ...
  • Obtenção de Acesso Venoso Periférico. ...
  • Oxigenoterapia. ...
  • Terapia Antiagregante. ...
  • Analgesia e Sedação. ...
  • Hipolipemiantes.

Qual conduta deve ser feita em IAM? ›

Pacientes com suspeita de IAM e achados de maior gravidade (dor persistente, dispnéia, palpitações ou síncope) devem ser encaminhados para serviços de emergência, monitorados em ambulância.

Quais são as condutas iniciais em caso de IAM? ›

  • Avaliar nível de consciência:
  • Manter o paciente em repouso com decúbito elevado.
  • Instalar acesso venoso periférico em membro superior.
  • Manter a permeabilidade das vias aéreas e a ventilação adequada:
  • Medir a glicemia capilar:

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